terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O Natal vem aí

Minha amiga Eva escreveu o quinto bilhete com um pedido ao Menino Jesus. Os adultos já estão comprando cigarros Marvel para distribuir no Natal, e na Praça Schwarzenberg havia ontem dois vigiando o transporte de árvores de Natal.
Os pinheiros tinham sido ali descarregados , à noite, por senhores graves vestindo macacões. Não há dúvidas: o Natal vem aí. A cidade parece ter acabado de lustrar os sapatos. Nas lojas aparecem coisas maravilhosas. Muitas pessoas postam-se diante delas, quebrando a cabeça para ver se meio quilo de carne de porco é mais importante do que um estojo de maquilagem de couro vermelho com zíper, ou se a pessoa amada terá tanta alegria com uma imitação da Vênus de Milo quanto com um modesto anel de diamantes, de cento e dezoito xelins.

A Vênus de Milo é muito mais bonita. Mas, infelizmente, pensamos, também é mais barata. Infelizmente ? Sim, que diabo, vamos presentear com o coração ou com a carteira ? Eu arriscaria a Vênus de Milo!

Há sempre duas medidas para um presente. Seu valor real e seu valor pessoal. O real, por mim, pode ser falso; é secundário. Se a gente só desse atenção a ele, qualquer pessoa poderia presentear a mesma e pronto. Seria horrivelmente monótono. O valor pessoal nunca pode ser expresso em xelins, nem nos novos. Ele pode ser maior que mil elefantes e mais precioso do que o ouro, incenso e mirra que os três reis do Oriente levaram a uma criança deitada numa manjedoura.

"Não se dá nada aos outros e não se dá nada a mesmo", diz um livro famoso. Pois é isso.
Conheço um homem que ía mal em 1945. Na noite de Natal escreveu uma carta à sua mulher, a quem amava muito, mencionando um pouco do que sentia por ela. Não tudo, nem de longe, só uma pequena parcela. Mas cada palavra dessa carta era verdadeira e deu infinita felicidade à sua esposa.
Na mesa em que se sentavam, ardia uma vela. Comeram um pedaço de cuca de mel , tomaram chá e olharam-se nos olhos. Depois ele fumou um cachimbo com o tabaco que ela lhe dera, e sorriram e pensaram em como estavam contentes por terem um ao outro. Essa foi a festa de Natal do meu amigo Eberhard, que estava dando um presente a mesmo. Pude imaginar que eu também ficaria muito feliz se, a 24 de dezembro, alguém me desse de presente uma carta dessas.

Tradicionalmente o Natal é a festa das carteiras gordas. Mas é primeiro a festa do amor, se permitem que eu lembre isso: a noite do ano em que podemos nos alegrar sem medo de que o fiscal de impostos note nossa alegria. Ou o homem do gás.
Tentem hoje, em todo caso, ao menos por interesse. Com ou sem Vênus de Milo, com ou sem casaco de pele de raposa. Alegrem-se ! Afinal, são apenas algumas horas. Não vai custar a cabeça em que seu coração está tão preso.

Se uma pessoa precisa muito de mil xelins para sentir-se bem, alguma coisa está errada com ela. E se alguém olha logo a contracapa de um livro pra verificar o preço, devia levar uma boa palmada.

Houve tempos em que se olhava com desprezo para as salsichas. A salsicha não era aceita socialmente. Hoje, professores universitários e damas dos melhores círculos deixariam que lhe cortassem os dez dedos para receber de presente alguns quilos de salsichas. Com todas as coisas que o dinheiro pode comprar, acontece o mesmo. Mas, não quero brigar por causa das salsichas. Elas são úteis. São agradáveis. Também um carro esporte e um rádio moderno são úteis. Mas só são valiosos se atrás deles houver uma pessoa e não apenas um título, se atrás deles vier um coração e não só uma conta bancária sem fundos.

Assim chegamos à carta do meu amigo Eberhard. Pois também no seu envelope havia um coração, embora não pudesse ser visto. O mais importante no amor não é o que se faz, mas o que se deixa fazer. O mais importante num presente não é o que está visível.

Quando se pergunta à minha amiga Eva o que ela deseja do Menino Jesus, ela fica bem quieta, e só não enfia o dedo no nariz, de tão encabulada, porque isso é severamente proibido. E porque ela tem tantos desejos. Mas há pessoas que nunca terminam quando as deixamos falar sobre tudo aquilo que desejam. São aquelas que, na verdade, não desejam nada direito. Devemos ser econômicos com a felicidade. Quem deseja demais, sempre recebe de menos. Quem deseja pouco, às vezes recebe mais do que precisa.

Se por esses dias você andar pelas ruas, e de tanta preocupação pela festa iminente não tiver mais tempo de se alegrar, pense em tudo o que acabou de ler. Talvez ajude.
Só artigos de consumo são racionados. Sentimentos ainda não têm preço. Não custa nada amar alguém e dizer-lhe isso. Se, portanto, seu dinheiro acabar , isso não é nenhuma tragédia.
Mas, se você não conhece ninguém a quem amar, está mais do que em tempo de dar uma olhada por aí. E antes ainda do Natal. Não é difícil. Em cada esquina encontram-se pessoas para amar , tanto no primeiro distrito quanto no décimo sexto.

Acho que hoje ainda vou escrever meu bilhete de pedidos. Primeiro, um par de suspensórios ; meus velhos já não estão muito aceitáveis. Depois, uma garrafa de vinho. Ou quem sabe duas. Mas não muito aguado.
E finalmente, querido Menino Jesus, caso julgue conveniente, desejo paz.
Aos homens de boa vontade.

(J.M.Simmel - 1947 )


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